quinta-feira, 11 de março de 2010

O gosto da liberdade - Cinco anos depois de três transplantes, irmãs contam sobre suas novas vidas

Um telefonema no meio da madrugada despertou o aposentado Walter Rodrigues Junior, 52 anos, em uma sexta-feira pré-carnaval. A ligação trazia a esperança de uma nova vida. Do outro lado da linha, uma voz anunciou: “venha para o hospital, temos um doador compatível”. Assim como ele, mais de 31 mil doentes renais crônicos de diferentes faixas etárias estão na fila aguardando por um transplante.

Durante quatro anos, Eva, Anna Paula e Anna Maria Reineldt Marques esperaram ansiosamente por um telefonema como esse. Mas nunca foram chamadas. As irmãs, no entanto, mantiveram-se esperançosas desde o primeiro diagnóstico de perda da função renal. A solução, no caso delas, não estava na fila de transplante, mas sim na própria família.

Após uma série de exames, a mãe, Izilda Reinedelt, doou um dos rins para a administradora de empresas Anna Paula, que ganhou o presente no dia de Natal das outras duas irmãs. “Há tempos nós sabíamos que minha mãe era doadora, mas ela não conseguia escolher quem ficaria com o rim. A Anna Paula passava mal, estava ficando cada vez mais debilitada, então na véspera de Natal eu e a Eva conversamos e decidimos anunciar a escolha”, conta Anna Maria, irmã gêmea de Anna Paula. Na época, a história ganhou destaque em diversos meios de comunicação. “Foi uma decisão natural, em primeiro lugar a gente queria ver nossa irmã bem.”

Apenas seis meses depois, o pai doou um rim para Eva, a irmã mais velha. Logo em seguida, em dois meses, Anna Maria entrava na sala de cirurgia também para fazer o transplante: o órgão foi doado por uma prima que a família não via há 35 anos. “A Cristina sonhou durante três noites seguidas que tinha o braço conectado por um fio a alguém. E decidiu fazer os exames para ver se era compatível. Deu certo!”, relata Anna Maria. “Eu pensava: porque essa pessoa está fazendo isso por mim? É um ato de amor e coragem, a pessoa passa por uma cirurgia por alguém que nem conhece”, diz.

Pessoas que doam um de seus rins vivem tanto quanto quem permanece com os dois órgãos. Os especialistas já tinham essa percepção, mas uma pesquisa da Universidade de Medicina de John Hopkins, nos Estados Unidos, divulgada nesta quarta-feira, dia 10, finalmente confirmou-a com dados estatísticos. O estudo reforçou ainda o que muitos médicos também já sabiam: doar um rim é uma cirurgia com baixos riscos.

Água, viagens e xixi

Cinco anos depois dos transplantes, os maiores prazeres dessas irmãs estão em pequenas atitudes cotidianas, que passam despercebidas para a grande maioria da população que não sofre com a insuficiência renal. “Cada vez que eu tomo um suco de laranja, eu agradeço a Deus. Antes eu não podia tomá-lo porque o suco tem muito potássio”, relata Anna Paula. Doentes renais crônicos têm que seguir uma dieta rígida: a ingestão de líquidos é restrita e alguns alimentos devem ser consumidos com cautela e controle, porque contêm nutrientes como o potássio e o sódio, prejudiciais ao corpo. “A gente chegou a passar sede em dias de calor intenso e não podia tomar água”, conta Eva.

Para Anna Paula, até mesmo o gosto da comida mudou. “Eu finalmente posso sentir o sabor dos alimentos. Quando estava doente, as toxinas presentes no sangue alteravam o paladar. Hoje, ficou muito melhor.”

Além de poder tomar líquidos e comer à vontade, outro momento comemorado é a hora de ir ao banheiro. Logo que fez o transplante, Anna Paula precisou fazer exames de urina. “Eu saí do banheiro chorando de tanta alegria. Há tempos eu não sabia o que era fazer xixi”, relata. “Era uma coisa impossível e hoje isso demonstra que o meu organismo está trabalhando corretamente”, completa Eva.

Viajar, que antes ficava fora da programação das três por conta dos compromissos com o tratamento, hoje virou diversão obrigatória. Em 2009, Anna Paula ficou uma semana em Porto Seguro, na Bahia, sem outras preocupações que não fossem aproveitar o sol e o mar. Foi uma espécie de conquista para ela. Quando começou a hemodiálise, o então namorado passava o réveillon na cidade e, por conta do problema de saúde, ela não podia ir.

Hemodiálise

Hoje as irmãs lembram com certo alívio da época em que precisavam passar por três sessões semanais – de quatro horas cada – de hemodiálise. O tratamento, realizado em quem tem insuficiência renal, retira o sangue por meio de uma agulha, passa-o por uma máquina que filtra as impurezas, e devolve para o corpo por meio de outra agulha. Cinco anos depois do transplante de rim que tirou Anna Paula, Anna Maria e Eva da máquina, as três são unânimes em afirmar que a melhor coisa da vida sem a necessidade do tratamento é a liberdade.

No entanto, nenhuma delas esquece os momentos difíceis pelos quais passaram. “Depois que fiz o transplante parece que entendi o que é a hemodiálise. No início, achava que não durararia tanto tempo, que logo tudo se resolveria. Mas os dias passam e você continua ali”, conta Anna Maria. “Eu sentava na máquina e tinha medo de não sair de lá”, emociona-se Anna Paula. E era ainda mais doloroso quando pacientes que também passavam pelo tratamento no mesmo grupo faleciam.

Apesar de todas as dificuldades, elas se sentem gratas pelos anos de tratamento. “Não dá para falar que você tem qualidade de vida, mas pelo menos tem a máquina. Quem precisa de um coração ou um fígado, por exemplo, não tem essa opção”, avalia Anna Maria. A hemodiálise permitiu que as três esperassem por um transplante de órgão. “Tudo depende de como o paciente vê a diálise” avalia o nefrologista José Osmar Medina Pestana, coordenador do departamento de transplante da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). “Se ele passar as 48 horas anteriores à diálise sofrendo em função da expectativa das quatro horas de tratamento, isso será uma tragédia. Mas se encará-la como uma forma de sobreviver às outras 48 horas, vai enxergar de forma alegre”, completa o médico.

Um novo olhar

O transplante mudou não somente o cotidiano dessas três mulheres, mas também a maneira como elas encaram a vida. Em 2003, com a ajuda dos pais, elas montaram a ONG Doe Vida, para incentivar a doação de órgãos e orientar pacientes que estejam na mesma situação que um dia elas viveram.

No Brasil, 13 milhões de pessoas apresentam algum grau de problema renal, segundo o levantamento mais recente da SBN. Apesar de o número de transplantes crescer a taxas de 15% ao ano no País, a quantidade de pacientes que precisam de um novo rim também aumenta 10% no mesmo período.

Nesta quinta-feira, dia 11, ações como exames gratuitos e divulgação de informações sobre a insuficiência renal estão sendo realizadas em diversos países em comemoração ao Dia Mundial do Rim. As irmãs fazem sua parte, contando sua história e dando palestras. “Não tem dinheiro no mundo que pague o que eu recebi”, avalia Eva.

Estudo mostra que doar rim não reduz expectativa de vida


SUCESSO - João Otávio Marques e a mulher Izilda doaram rins às filhas Anna e Eva Cristina


Cientistas acompanharam 80 mil pessoas por 15 anos e comprovaram segurança do procedimento

Pessoas que doam um dos rins vivem tanto quanto quem permanece com os dois. Um estudo histórico realizado nos Estados Unidos com mais de 80 mil doadores comprovou definitivamente o baixo risco da cirurgia que, no ano passado, salvou 1.727 vidas no Brasil.

Esse foi o número de transplantes de rim com doadores vivos. No total, houve 4.259 transplantes do órgão. Os autores do estudo afirmam que atestar a segurança do procedimento é essencial para diminuir a fila de pessoas com insuficiência renal à espera de cirurgia. Segundo o último levantamento do Ministério da Saúde, cerca de 34 mil pessoas precisam de um rim.
O artigo mostra que, nos primeiros 90 dias após a cirurgia, apenas 3,1 de cada 10 mil doadores sofrem complicações fatais. Intervenções comuns como a remoção da vesícula biliar possuem um risco associado seis vezes maior. Nos anos seguintes, esse risco se torna tão baixo quanto o de pessoas que não passaram pela cirurgia. Os pesquisadores acompanharam os doadores durante 15 anos - de abril de 1994 a março de 2009.

EXEMPLO

A maior parte dos doadores vivos no País costuma vir de pessoas próximas aos doentes: cerca de 94%. A história da família Reinelt Marques, que comoveu o País em 2005, é um exemplo. Naquele ano, a jovem Eva Cristina e suas irmãs gêmeas Anna Paula e Anna Maria conseguiram sair da fila de espera por um transplante de rim. Os órgãos foram doados pelos pais das meninas, Izilda e João Otávio, e por uma prima do pai.

As garotas de Campinas sofriam de uma rara síndrome genética que provoca o envelhecimento precoce do rim. Durante quatro anos, aguardaram transplante enquanto faziam três sessões semanais de diálise

Agora levamos uma vida praticamente normal, a não ser pela necessidade de tomar a medicação para evitar rejeição e ir ao médico a cada três meses", conta a estudante de Administração Anna Paula, hoje com 29 anos. "Podemos comer de tudo e beber líquido à vontade."

Anna Paula foi a primeira a receber um novo rim, doado pela mãe. A cirurgia completou cinco anos no dia 24 de fevereiro. "Não senti nada de diferente no meu corpo depois da operação. Pelo contrário, tornei-me uma pessoa muito mais feliz por ter dado a vida duas vezes à minha filha", diz Izilda.

A família fundou em 2003 a ONG Doe Vida, que promove ações para estimular a doação de órgãos e presta assistência a quem aguarda na fila de espera dos transplantes. A entidade distribui mensalmente 200 cestas básicas entre pacientes que fazem diálise nas clínicas de Campinas e região. A demanda, diz Anna Paula, é de 500 cestas.

O vice-presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), Henry de Holanda Campos, explica que, graças ao trabalho das redes de pacientes e familiares, o receio da doação diminuiu muito nos últimos dez anos.

Ao Estado, o principal autor do trabalho, publicado no Jama, Dorry Segev, disse que pretende avaliar outras variáveis, como o impacto psicológico da doação.


Fonte:http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100311/not_imp522638,0.php

Dia Mundial do Rim

Comemorações do dia 11 de Março visam alertar para a importância dos rins na saúde global. Tema de 2010: diabetes.

Comemora-se esta quinta-feira, dia 11 de Março, o Dia Mundial do Rim, uma iniciativa conjunta da Sociedade Internacional de Nefrologia e da Federação Internacional de Fundações do Rim. Em 2010, as atenções recaem sobre a diabetes, principal causa de doença renal crónica.
O objetivo último consiste em alertar para a importância dos rins na saúde global e em reduzir a frequência e o impacto da doença renal e dos problemas a ela associados, no mundo inteiro.

Outros objectivos:
- Chamar a atenção para os "nossos fantásticos rins";
- Realçar que a diabetes e a hipertensão são factores de risco para a doença renal crónica;
- Encorajar o rastreio regular de doentes com diabetes e hipertensão;
- Estimular a prevenção;

Sensibilizar os profissionais de saúde para o seu papel na detecção e redução do risco de doença renal crónica, sobretudo na população de elevado risco;
Reforçar a importância do papel das autoridades de saúde nacionais e locais no controlo da epidemia da doença renal crónica.
Se detectadas precocemente, as doenças crónicas renais podem ser tratadas, reduzindo assim a possibilidade de complicações associadas e de mortes e incapacidades resultantes de doença crónica renal e cardiovascular no mundo inteiro.